sábado, 14 de abril de 2012

Teias, Laços e Possibilidades

Encontro-me hoje numa situação em que recordei e me foram importantes alguns textos escritos no final de 2011. Com esta tarefa, encontrei este - Teias, Laços e Possibilidades - que ora publico. 
Mantém-se atual.

Esta semana conheci um mito que ainda não conhecia. Sempre é tempo! O mito da aranha, tecedora de teias. Teias que são moradas, são laços, limitam, mas também possibilitam a vida. Como naquela noite havíamos dançado por entre fitas crepe, ora emaranhados, ora construindo estruturas com estas fitas, logo entendi tudo o que acontecia dentro de mim: está aí a explicação para minha fobia de aranha: o emaranhamento, a prisão, a claustrofobia. Agora entendo. Fechou-se o ciclo do entendimento de dois medos: a claustrofobia e o pavor de aranhas.
E é exatamente esta a sensação que me passa a teia, a aranha: falta de ar, prisão, confusão de emaranhados que tomam conta e que tiram o controle de meus movimentos, de minha vida. Trauma de infância? Provavelmente, mas não vem ao caso.
O que importa agora é a transformação deste mito e de seus significados em mim. É isto que vou trabalhar. Se teia envolve e domina, teia também é porto seguro, é um espaço a ser transitado e vivido e, finalmente, teia pode ser construção nossa. É por aí que eu vou.

Se estou laçada por fitas adesivas, tenho um espaço de prisão, é certo. Mas é um espaço em que caibo. Se caibo, respiro. Respirando, vivo. Vivendo, transcendo. Então não há mais limites. Neste espaço eu crio. Crio meus movimentos, transformo o espaço. Transformo, inevitavelmente, a estrutura e os fios da teia. Transformo meu corpo e meus movimentos.
Uma teia me prende com toda sua cola – como de fita crepe – mas também me segura: “Do chão você não passa, menina!” É aqui onde vivo. Vivo na TERRA, onde também há AR. Sou terra e ar. É transitando pelos fios sedosos e pegajosos da teia que eu a sinto, exploro e me mostro. A partir dos fios que aí estão eu teço novos caminhos, novos espaços.

Antes eu dançava “engessada”. E o engraçado é que me sentia livre e feliz. Era o ballet, dança regrada, em que o bailarino deve descobrir sua liberdade, suas possibilidades a partir daquela teia restrita. Aí está a grande liberdade, a beleza do ballet: quando descobrimos, dentro daquela teia, o infinito. Passados muitos anos, hoje ando por outras teias. Com danças em que descobri meu corpo cultivado e constituído de outra estrutura. A estrutura de minha teia sanguínea e laços familiares.
Desconstruí ao longo de algum tempo, aquelas tessituras de ballet, e hoje começo a descobrir novos fios que tecerão uma nova teia. Agora tenho fios de ballet e fios de família. Como tatuagens e rugas na testa, marcas de caminhos, tempo e movimento. O material de uma vida, e de novas estruturas em construção.
Nessa desconstrução descobri raízes num corpo diferente, muito diferente, mas também muito próximo do que me seja familiar. Um corpo magro e anguloso, com movimentos peculiares, cuidadosos, ora tensos, e buscando o relaxamento. Movimentos que portam células da família Boff. Essa estrutura que num ballet fora limitante e, com esforço, desconstruída, agora se me afigura insistente, como novas possibilidades.


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Tudo acontece a partir do nível TERRA, a partir de uma estrutura limitada. Deste limite, com os pés na terra, caminhamos para novas tessituras. E a teia que nos envolvia agora era a doença do pai. Ao longo de 2 meses de internação hospitalar, o foco era seu corpo. O carinho que aliviava sua dor, seus membros que necessitavam de cuidados, o desejo de saúde para seus órgãos, o tecido de sua pele, suas células, células Boff.
À medida que se anunciava a inevitabilidade de sua partida, eu me aproximava ainda mais daquele corpo que insistia com vida pulsante e cheiro de pai. Em cada partezinha dele reconhecida, nas sardas, cotovelos e joelhos, testa à mostra e nariz, ali identificava minha primeira casa, tecidos pelos quais caminhei, fitas que me envolveram e deixaram cola em mim.
Este corpo se foi. Alguns fios desta teia se desfizeram... E a partir dela, seguimos nossa própria tessitura. Agora os corpos são outros, somos onze, nos movendo por entre laços, criando estruturas novas, a partir daquele e de outros espaços, daquele e de outros movimentos, agregados e renascidos.
A estrutura que agora descubro, das células Boff, é terreno fértil para a construção de uma nova dança. Os limites existem em qualquer dança – espaços, laços, elementos tirados e agregados. Existem no tempo e no espaço. Limites: são eles que ordenam nosso cosmos, possibilitando criações, estruturas, teias de aranha. Gerando vida, assegurando morada. A morada da dança e da criança. Qual dança?
A dança de um corpo magro e anguloso, de certo ponto de vista, movimento desajeitado. A dança deste corpo que convive com outros, se mescla às fitas e fios de outros, constrói e desconstrói, respirando, vivendo, mexendo.

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