Semana passada nossa internet e
nossos jornais foram invadidos pelo episódio inusitado dos rapazes – militares
– que dançaram o hino nacional brasileiro. Quero falar sobre algumas questões
que tangem o acontecido, e que não foram tocadas ainda.
Dança é uma das práticas inatas ao
ser humano e que, portanto, exercemos praticamente desde que existe nossa
espécie. Porque é inata? Ora, pelo simples fato de o ser humano ser feito “de
carne e osso”. Não somos um espírito, um ser transcendental. Somos nosso
próprio corpo e seus movimentos. Assim sendo, a forma de vivermos e manifestarmos
nossa vida é através do corpo.
Por isto, a dança foi e é – em
suas expressões diversas – uma forma de manifestar louvor a deus ou aos deuses
e à natureza. Da mesma maneira, a dança sempre foi um importante exercício de
cuidado do nosso corpo, da vida. Aliás, cuidando de nosso corpo, cuidando de
nós, louvamos aos deuses ou a vida.
De outra parte, como seres
humanos, também temos outra atividade inata que é a criação de representações e
símbolos que dão concretude, explicam e ilustram tudo o que somos e o mundo que
nos cerca. “O homem é um animal simbólico”. Essas são as palavras de C. G.
Jung, renomado psicólogo e psicanalista, colega e contemporâneo de S. Freud. Hoje, mais do que suas palavras, este é um
fato de reconhecimento geral.
Por isso tudo, concordo, sim, com
a importância de respeitar, cuidar e, sobretudo, de compreender símbolos
nacionais como a bandeira, brasão, hino. Porém gostaria de ressaltar que não só
a bandeira e o hino de uma nação devem ser respeitados, mas em primeiro lugar a
própria nação, suas vivências, seus cidadãos, sua cidadania. Afinal, se “a
coisa” não existe mais, sua representação pode se tornar vazia. Alerta! Igualmente
penso que não só os símbolos nacionais ou militares devem ser respeitados, mas
também símbolos de outras instituições sociais ou, mesmo, os símbolos
importantes a cada grupo e vivência social. E estão sendo respeitados todos?
Porém, a despeito de toda a
simbologia, fiquei estupefata com o escândalo por parte dos militares diante
dos garotos que dançaram, e com a lei de “respeito ao hino”. Como poderia a
dança – que, como dissemos, é uma representação e vivência social nobre e inata
ao ser humano – ser um sinal de DES-respeito ao hino nacional? Ora, não viria
ela, assim como as outras artes, coroar a nossa pátria amada? No hino, a pátria
é representada pela arte da música e da poesia. Na bandeira, é representada
pela arte visual. E a dança, que é outra arte... onde fica?
Não defendo, de maneira alguma, a
dança funk, nem as falsas artes. Muito pelo contrário. Não defendo também a
intenção dos rapazes militares que dançaram o hino, pois esta eu desconheço.
Mas defendo a boa dança. E questiono se o mundo não seria melhor se as pessoas
dançassem mais e, particularmente, se os militares cantassem e dançassem...
Será que não existe, neste manifesto dos garotos, a fala de uma necessidade de
revisão de leis e instituições?
A mim parece haver nesta situação
toda – e há muito tempo, na sociedade – uma grande contradição quanto ao
cuidado e cultivo de símbolos. E este episódio dos militares e do hino dançado
não se deu por acaso, pois o exército é uma das instituições em que a
contradição de que falo é mais visível e gritante. Trata-se do cuidado de símbolos desconectado do
cuidado do ser humano. Se defendo os símbolos e o respeito a eles, é
porque símbolos são criados por
e para o homem. Nunca o
homem deve ficar à revelia de seus próprios símbolos ou instituições e leis. E
nunca (!) devemos esquecer o cuidado do ser humano.
Se a bandeira deve ser
idolatrada, salve, salve, e o hino tem música e poesia maravilhosas, também
defendo a interatividade do ser
humano com essas belas artes e símbolos que ele mesmo inventou. Mas claro, que
ensinemos e aprendamos uma interatividade digna. E mais: defendo a dança, a arte
com que o ser humano manifesta seu devir, sua existência, como parte legítima a
ser acrescentada no Hino Nacional Brasileiro.
Igual a Tchaikovsky? Parecido... também num ato antropofágico, esses garotos absorveram para o mais íntimo de sua cultura,de suas vivências e gostos, o máximo símbolo nacional.
ResponderExcluirNeste caso, parece que havia também inimigo. Não a nação, mas o exército que, em suas experiências, era representado pelo hino.
Desejo que um dia possam ver algo a mais no belo hino nacional brasileiro.